Ela me olhou com seu olhar oblíquo querendo desvendar-me inteira.
- Você é muito bonita, disse-me com naturalidade.
Aquele elogio, dentro de um elevador cheio, surpreendeu-me.
- Obrigada, são seus olhos que filtram - respondi, constrangida, não encontrando as palavras certas.
Ela ainda estendeu as mãos pequenas quando o elevador parou no 10º andar tentando não me deixar descer.
- Fica!
A mãe chamou a filha e lhe falou enfática:
- Você tem hora marcada com o médico. Deixa a moça passar.
Ela fez um muxoxo e revirou a cabeça em minha direção.
As pessoas se entreolharam impacientes com a cena incomum. Todas apressadas. Alguém segurou gentilmente a porta do elevador social. Não me lembro bem. Estava aflita: timidez e emoção de ter despertado tais sentimentos se mesclavam.
Desci, enfim, com uma sensação de alívio e desconforto.
Noutros tempos não teria me importado.
Não sei se a tarde melancólica me trouxe o passado. Queria mesmo voltar ao tempo e amenizar, com artifícios do sonho, algo que ficara no ar daquele encontro.
Pedras coloridas - esmeraldas, jades, rubis, turmalinas - saem do baú da minha infância. Gemas sedutoras! Tenho temor dos piratas com tapa-olho. Medo dos heróis orientais e que se escondem em qualquer lugar e atravessam paredes e portas. Peço para mamãe deixar o abajur ligado quando vou dormir.
A amabilidade, a doçura e a ingenuidade daquela menina-moça Down, no elevador, trouxeram música agradável para meus ouvidos descrentes.
Eu daria tudo para ouvi-la outra vez. Escutar o bálsamo de sua voz sem censura. Sua lógica sem perspectiva para nós.
Causava-me calafrios sua sensibilidade extremada. A percepção de uma beleza que não era minha. Vinha de outros rostos, talvez de novos mundos. Viagens imaginárias. Mares e mergulhos. Nosso único encontro parecia um presságio de amargura ou de plenitude. Mas algo mudara em mim para sempre.
- Venha! Fale, explique o que está por trás das estrelas e da luz do sol. Conte-me o que viu. Há quanto tempo não me dizem que sou bela...
- Volte! - agora sou eu quem pede, imploro.
- Termine essa história mal-acabada.
- Como é o seu nome?
- Encoste a cabeça sobre os meus ombros. Quero tocar-lhe os cabelos escorridos e negros.
- Posso contar histórias se você gostar. Trechos das "Mil e uma Noites", a "Branca de Neve", que sei de cor, ou os contos dos irmãos Grimm, para encantar seus olhos doces e delicados.
O que farei com a imensidão dos pensamentos em desalinho? Se você não voltar...
E, assim, o meu coração ficou tão absorto em sensações quanto um coração pode ficar.
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
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