sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Finitude

Concentro-me na tua voz escura

e meus lábios tremem.

Temo o que vais me dizer.

Falas sempre por metáforas.

Imagino teu cansaço de viver.

Imagino as passagens retidas

na memória distante do que viveste.

E te quedas absorto, cismarento

e ausente.

Não digo nada.

Temo este instante incerto,

tenso e recoberto de emoções.

Concordo com o que me dizes

em pensamento apenas.

Pegas meu rosto

e me beijas a testa

com medo que eu desperte

de um sono infeliz.

Percebo que também

estou muito cansada.

Pressinto a ruptura.

A perspectiva do adeus

trava minha garganta

de tantos adeuses já vividos.

A voz da noite me corta

feito navalha.

Sou frágil e forte.

Sou apenas uma mulher

esvaída do sonho.

Éramos talvez o amor

mais comovente.

Mas agora o universo,

a multidão embriagada,

os rios,

as flores e as florestas

nos separam.

E não há o que dizer.

Não há nuvens nos céus.

E no mar gelado e inatingível

vejo ao longe corvos a grasnar

na imensidão do horizonte.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Entrega

Aspiro a maresia
e me sinto livre.
O vento sopra
levando para longe
os meus medos.
O sol desperta o dia e
banha o mar de cores
deslumbrantes.
Sua luz é tão intensa
que expulsa a treva.
Nua e bela
a areia deixa rastros
de pés descalços.
Gaivotas
em voos rasantes
saúdam o dia
que amanhece.
Tudo me parece
perfeito
e sem ruídos.
Por instantes,
fecho os olhos
e não penso.
Extremamente comovida,
me integro à natureza.
Sou una com a criação.
E há plena entrega
neste simples gesto.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Confidências

Abstraio-me do mundo
de aparências
e penetro na densa floresta
que os homens ignoram.
Faço confidências
à mãe natureza.
Ela escuta meus queixumes.
Vou à procura
de energias mais sutis.
Me torno árvore fechada
e sem frutos.
E minhas raízes
acariciam a terra molhada.
Piso as folhas
com meus pés nus.
Sinto suas nervuras delicadas.
Recolho pedras pontiagudas
que não me ferem.
O sol está imóvel e a postos
no horizonte.
Sol que me aquece e
não me queima a alma.
Não sei a origem
do som das águas
que ouço longe.
Águas que me devolvem
a essência.
Envolvo-me
no esplendor da natureza.
Saio do beco triste
das lembranças pobres.
Descubro jardins secretos,
lugares jamais visitados.
Canto para falar-te
do orvalho que vi
e da última flor que colhi.
Canto para que saibas
que o adeus ainda paira
nos meus olhos.
É muito tarde, porém.
Sei que apenas canto
para salvar-me.