segunda-feira, 29 de junho de 2009

Eterno Enigma

Para William Shakespeare

A morte massacra-me.
E o que não me massacra,
por acaso a vida?
Como morrerei se não aprendi?
Os mortos virão ao meu encontro
no dia da minha despedida?
Virão anjos bons ou maus
buscar-me?
Sofro o grande dilema
desta vida breve e da morte certa.
Retornarei um dia?
De que forma morrerei?
Por favor, alguém me diga.
Eis o grande mistério
que transcende toda vã filosofia.
Mistério que me tortura,
me alucina todos os dias.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Príncipe Sírio

Para Adonis Karan

Atraída pelo som da tua voz
aveludada e máscula estou.
E quando me dizes ternuras,
elas ecoam alegres como cantos
no meu coração reconciliado,
e agora sem tanta dor.
Meu corpo celebra incansável
a oferenda de vida que me dás.
As esperanças que ressuscitas
têm sedução e beleza.
Que dizer do prazer e da delicadeza
no descerrar deste momento
fascinante e inesperado?
Foste entrando e eu deixei.
Podem falar ser prematuro
que eu te aceite assim,
se mal acabaste de chegar.
Mas meu corpo em festa se embriaga
de champanhe e lágrimas,
para brindar os mistérios do amor.
Te recebo com entrega e sem pudor.
Não há como negar a alegria quase feroz
que me devora o corpo inteiro.
Não há como impedir o riso contagiante
a me envolver a alma dolorida,
se já me fazes, amor, tanta falta.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Tempo Certo

Na embarcação do destino,
nos perdemos sem prudência.
Não há mais tempo certo
para nós dois.
Saíste do meu corpo sem carinho.
Usaste palavras duras
para me ferir como adaga mortal.
Partiste porque tua estrada
é feita de desenganos, sombras
e desilusões.
Foste embora como peregrino,
navegante sem rumo de vãs promessas.
És um andarilho facilmente
atraído pelos mistérios da lua.
Vejo com nitidez teu semblante,
arrastado por abraços de perfídias
nas tardes mundanas do teu outono.
Teus passos indecisos
pisam nas folhas do passado
a percorrer devaneios.
Tua vida é um novelo.
Estás preso a laços e afetos
que arruínam tua vida,
mas não enxergas.
O canto das sereias te cega.
Há um cisco permanente
que tolda tua visão.
E as lembranças do que vivemos
me deixam quase sem chão.
Labaredas de um coração que arde,
mescladas com a dor
de um corpo esgotado
pelo desencanto.
Levaste de mim a esperança
da velhice planejada e acalentada.
Levaste de mim o sonho,
a leveza e a doçura.
Nunca mais ouvirás minha voz
a te dizer ternuras
na noite de plena entrega
dos verdadeiros amantes.
Crio, porém, atitudes novas.
Não nego minhas emoções.
Com lágrimas nos olhos
mas forte como uma leoa brava,
saio do pântano de invejas.
Busco fontes cristalinas.
Mergulho no meu interior
e, enfim, encontro a paz
mesmo nos escombros.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pandora






A ânfora que guardava o grão
se espatifou no chão da sala.
Não posso mais te alimentar
como fazia com ternura.
Choro o colar que me deste
e se desfez no tapete grego.
Pérolas rolam sem piedade.
Lágrimas navegam em mares
de águas sombrias e revoltas.
Dize-me coisas infames.
Prefiro que te cales.
Já que tua palavra perdeu
a lucidez e o recato.
Por mais que procure o amor
que outrora me pareceu real.
Só encontro o vazio, a agonia,
o deserto, o pranto.
Sei que a tristeza existe
no contorno da travessia
onde o sol se pôs
distraído dos sentimentos.
Chamo por Zeus meu pai.
Imploro aos deuses.
Me apoio na mitologia
para compreender o universo.
Por fim, cansada e dissolvida,
ignoro os males
à espera de outro momento
sem tanta dor.





segunda-feira, 1 de junho de 2009

Cativo



Homenagem ao escritor José Louzeiro


Choro o lamento


do negro que já se foi.


O gemido da senzala


está no dia sem claridade.


O lamento é sussurro,


é uma cantilena,


é um choro triste,


é um som de abate,


é um som de batuque.


Choro o som do açoite torturante


na noite ensanguentada.


Choro a dor da mãe negra


que perde o filho de peste,


mas dá seu leite de amor.


Choro o banzo dos negros


na viagem sem volta.


Mas o que fazer


se a humanidade fria se tornou?


Ah, choro todas as misérias


deste mundo pequeno e desigual.


E meu pranto lava meus pecados,


lava os pecados do mundo,


mostra nossa carne exposta.


Pecadores que somos todos nós.