quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Paredes do Quarto

Pressentes o naufrágio
e iças as velas.
E o vento sibila
seus medos.
Um navio se afasta.
E sentes a sordidez
de um mundo
desencantado.
Exaurido,
mudas a rota
do destino.
Subitamente algo
quebra-se.
Imóvel,
sentes o clamor
do mar.
E nas vozes do mar
procuras os deuses.
Sozinho revisitas
tua vida
num instante.
Lembranças vestidas
de infância e fantasia.
Já é noite
e a sombra se avizinha.
A lua difusa mostra
teus cabelos de pena.
As algas enchem o ar
de odores.
E buscas corais
no escuro das águas.
Mas acordas e a aurora
enche de poesia
as paredes do teu quarto.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Voltar mais Tarde

Quero ouvir o som do rio
passando embaixo da ponte
à beira dos casebres
tão desiguais.
Quero escutar
o sonho dos meninos
arremessados
ao abandono do mundo.
Quero ouvir
o ruído melancólico
dos risos postiços.
E escutar os
lamentos do vento,
cantando seus desafios.
Enfim, quero fechar os olhos.
Voltar mais tarde,
quem sabe,
e saber melhor da vida.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Medo de Amar

No vinho que ofereces
sinto ainda
o sabor da tua boca
em espirais
de estrelas e cometas.
E todo o amor contido
há de se perpetuar.
Em nós o gérmen
e o mistério
que se desprendem da vida.
Não quero adeuses.
Quero cheganças
e louvações.
Veja, meu amor,
a noite caminha descalça.
Os ébrios e os poetas
bebem o luar
que se avizinha.
E as flores,
que não colhemos,
fazem sombras nos jardins.
Somos o que sonhamos?
Me diga, meu amor.
Sei apenas
que o medo nos quebra,
nos aparta,
nos dissolve
e nos separa.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Está na Hora

Está na hora
de arrumar a casa.
Mas nada
de arabescos nas janelas
e bordados nas cortinas.
Quero uma mesa grande
para acomodar meus amores.
Quero uma mesa farta
e colocada na varanda.
Quero ver estrelas
da janela do quarto.
E o sol majestoso
seria o rei da casa.
E o vento sibilaria
pelos cantos
suas fantasias.
E o cheiro de maçãs assadas
lembraria para sempre
minha infância.
Nas minhas narinas,
há um perfume de alfazema
dos lençóis imaculados.
E o cheiro de patchuli
perfumaria as toalhas de banho
me dando saudades da vovó.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Meu Gato

Penso que os poetas
gostam de gatos.
Eu gosto de gatos,
confesso.
E o gato que não tenho
sobe no meu armário,
desarruma meus vestidos
e se esconde das visitas inesperadas.
O gato que não tenho é macho
e se chama João.
O gato que não tenho
passeia, traquinas,
entre os bibelôs de cristal
da mesa da sala.
E não quebra nada.
O gato que não tenho
é um equilibrista.
Penso que é de circo.
E tem uma independência
que me seduz.
Brinca como criança
e sabe ser feliz
com fiapos de linha,
novelos de lã
e bolas coloridas.
O gato que não tenho
é elegante,
prateado
e de olhos cor de ardósia,
mas não é o Chico.
O gato que não tenho
finge que não existo.
Mas seu lugar preferido
é perto dos livros.
Acho que meu gato
gosta de ler.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Domingo

No almoço de domingo
estás tão distante...
Absorto, apenas engoles
uma comida já fria.
As conversas se diluem,
não existem,
ficam estáticas no prato
de porcelana azul.
O silêncio tem vozes,
mas não identifico.
Porque é domingo
quero te dizer
o que me aflige.
Ou apenas
te abraçar como nunca
para que saibas
o que sinto.
Quero te beijar loucamente
como os amantes ousam.
Mas é domingo
e teu pensamento vaga
sem limite e sem sentido.
Tento te buscar.
Te arrancar do naufrágio.
Te dar um porto,
um rumo.
Mas é domingo
e trocamos apenas
um sorriso pintado.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Tempo Triste

Dize-me qual o sentido
deste eterno diálogo?
Contemplo as coisas
e invento os motivos.
O mais triste é o tempo
que passa desperdiçado.
Dize-me qual o sentido
da conversa inconsequente?
Debruço-me à procura de mim.
É melancólico o tempo
que deixo correr.
É melancólico o poema
que sai da alma.
Belo seria a natureza
se soubesses desfrutar
e juntos veríamos o sol nascer.
Ah, as horas!
A vida é apenas o reflexo
do que somos.
As cigarras cantam lá fora.
Eu só queria
compor uma canção
que falasse de orvalho.
E que alguém me arrancasse
a tristeza dos olhos.
Mais nada.

Desencanto

Meu pranto navega
e se avoluma
no mar imenso.
Me desaponto,
me desencanto
com o que não falas.
Sei que as lágrimas
que verto
não voltam mais.
Minha tristeza
é não poder conter
o ritmo das águas
nem da minha vida.
Garimpo as palavras ditas
à espera de novos sabores.
Mastigo a angústia
como um ruminante
no deserto de mim.
E posso te dizer
que no teu grito
mora um viajante eterno
com medo de errar,
com medo de partir
e, quem sabe,
com muito medo
de ser feliz.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Olhos de Madona

Teus olhos de madona
têm doces mistérios
e dimensões do universo.
Não sei se teu olhar pungente
cativou-me à primeira vista.
Ou são detalhes luminosos
de um amor que me avassala
e me devora a mente.
Não fosse isso o bastante,
tua boca é de uma beleza ímpar.
Lábios que enlouquecem,
reveladores de histórias
que não são minhas.
É difícil a um simples mortal
ter controle do corpo e do coração.
Que queres de mim, madona?
Faria coisas por ti
que assombrariam o mundo.
Basta que me peças.
Deixa-me te mirar de novo.
Pudesse impedir que fosses
tão-somente a fantasia.
Mas quem sou eu
tão sozinho e derrotado
por teu sublime olhar de madona?

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Sonhos

Transgredir a alma,
libertar o corpo,
seduzir teu sentimento,
até que venhas
sem pressa
para me receber,
coração desnudo,
alma liberada.
Compreender as estações,
vislumbrar a aurora,
desprender antigos nós,
desatar o silêncio.
Até que venhas pleno,
da maneira que te conheci.
Com tua conversa fácil
de quem conhece a vida,
desfruta o néctar,
espreita o prazer,
refém dos êxtases,
sonhando os sonhos tardios
que te dou somente agora.
Buscando outros sonhos
nas notas musicais,
nas histórias dos livros
que inventas e crias
para saborear melhor tua dor.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Carnaval

Carnaval, levaste o corpo
esbelto da morena.
Onde está o lindo sorriso
que foi meu por uma noite?
Os confetes e serpentinas
que gastei?
Onde está a fantasia
de arlequim?
A dela está rasgada
aos pés da cama.
Carnaval, diga-me
aonde encontrar a bela mulata,
em algum lugar distante?
Corri mundo, corri tudo.
Meus olhos querem
o gingado daquela morena.
Suave requebro tem
a misteriosa amante.
Carnaval, sofro!
Padeço a dor mais triste,
padeço a saudade do mundo,
a dor dos homens todos.
Juntos e perdidos
nas cinzas de um carnaval.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Canção Discreta

A canção que te dava ontem,
o tempo desfez com lágrimas.
O poema discreto que teci
no silêncio de mim
é flor na memória do tempo.
Talvez a canção esteja no vento
ou sofra de amargura seus mistérios.
Morreu em mim a canção que fiz
no imprudente desejo
que as palavras não sabem.
E eu fujo depressa de ti,
procuro um riso de criança,
procuro sonhos não partidos.
Estrelas que fulgem no espaço,
brinco com elas de pisca-pisca.
E por fugir do teu amor
de incertezas e de agonias,
quem sabe agora serei feliz.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Por te amar tanto

Por te amar tanto
me perco e me desalinho
nos teus cabelos de prata e seda,
desmanchados pelo vento.
Por te amar tanto, tanto,
te digo coisas indevidas
quando meus lábios
só querem falar de amor.
Por te amar tanto, tanto,
fecho os olhos para sonhar.
No silêncio do meu sonho,
chegas muito cansado.
Eu te dou descanso,
mas não percebes
que sou névoa e pranto,
na fortaleza do teu ombro
que não é apenas meu.
Pedes, então, meu sorriso.
Como, meu amor, sorrir
se os pássaros não cantam?
Como sorrir se vivo a esperar
o aconchego do teu afago?
A mistura confusa do nosso olhar
e das carícias veladas
que nos damos
nesta noite imprecisa de prazeres
têm encantos e seduções.
Mas ao mundo não revelo.
Ah, por te querer tanto,
sou cativa,
escrava
e choro de amor
tanto, tanto...

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Eterno Enigma

Para William Shakespeare

A morte massacra-me.
E o que não me massacra,
por acaso a vida?
Como morrerei se não aprendi?
Os mortos virão ao meu encontro
no dia da minha despedida?
Virão anjos bons ou maus
buscar-me?
Sofro o grande dilema
desta vida breve e da morte certa.
Retornarei um dia?
De que forma morrerei?
Por favor, alguém me diga.
Eis o grande mistério
que transcende toda vã filosofia.
Mistério que me tortura,
me alucina todos os dias.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Príncipe Sírio

Para Adonis Karan

Atraída pelo som da tua voz
aveludada e máscula estou.
E quando me dizes ternuras,
elas ecoam alegres como cantos
no meu coração reconciliado,
e agora sem tanta dor.
Meu corpo celebra incansável
a oferenda de vida que me dás.
As esperanças que ressuscitas
têm sedução e beleza.
Que dizer do prazer e da delicadeza
no descerrar deste momento
fascinante e inesperado?
Foste entrando e eu deixei.
Podem falar ser prematuro
que eu te aceite assim,
se mal acabaste de chegar.
Mas meu corpo em festa se embriaga
de champanhe e lágrimas,
para brindar os mistérios do amor.
Te recebo com entrega e sem pudor.
Não há como negar a alegria quase feroz
que me devora o corpo inteiro.
Não há como impedir o riso contagiante
a me envolver a alma dolorida,
se já me fazes, amor, tanta falta.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Tempo Certo

Na embarcação do destino,
nos perdemos sem prudência.
Não há mais tempo certo
para nós dois.
Saíste do meu corpo sem carinho.
Usaste palavras duras
para me ferir como adaga mortal.
Partiste porque tua estrada
é feita de desenganos, sombras
e desilusões.
Foste embora como peregrino,
navegante sem rumo de vãs promessas.
És um andarilho facilmente
atraído pelos mistérios da lua.
Vejo com nitidez teu semblante,
arrastado por abraços de perfídias
nas tardes mundanas do teu outono.
Teus passos indecisos
pisam nas folhas do passado
a percorrer devaneios.
Tua vida é um novelo.
Estás preso a laços e afetos
que arruínam tua vida,
mas não enxergas.
O canto das sereias te cega.
Há um cisco permanente
que tolda tua visão.
E as lembranças do que vivemos
me deixam quase sem chão.
Labaredas de um coração que arde,
mescladas com a dor
de um corpo esgotado
pelo desencanto.
Levaste de mim a esperança
da velhice planejada e acalentada.
Levaste de mim o sonho,
a leveza e a doçura.
Nunca mais ouvirás minha voz
a te dizer ternuras
na noite de plena entrega
dos verdadeiros amantes.
Crio, porém, atitudes novas.
Não nego minhas emoções.
Com lágrimas nos olhos
mas forte como uma leoa brava,
saio do pântano de invejas.
Busco fontes cristalinas.
Mergulho no meu interior
e, enfim, encontro a paz
mesmo nos escombros.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pandora






A ânfora que guardava o grão
se espatifou no chão da sala.
Não posso mais te alimentar
como fazia com ternura.
Choro o colar que me deste
e se desfez no tapete grego.
Pérolas rolam sem piedade.
Lágrimas navegam em mares
de águas sombrias e revoltas.
Dize-me coisas infames.
Prefiro que te cales.
Já que tua palavra perdeu
a lucidez e o recato.
Por mais que procure o amor
que outrora me pareceu real.
Só encontro o vazio, a agonia,
o deserto, o pranto.
Sei que a tristeza existe
no contorno da travessia
onde o sol se pôs
distraído dos sentimentos.
Chamo por Zeus meu pai.
Imploro aos deuses.
Me apoio na mitologia
para compreender o universo.
Por fim, cansada e dissolvida,
ignoro os males
à espera de outro momento
sem tanta dor.





segunda-feira, 1 de junho de 2009

Cativo



Homenagem ao escritor José Louzeiro


Choro o lamento


do negro que já se foi.


O gemido da senzala


está no dia sem claridade.


O lamento é sussurro,


é uma cantilena,


é um choro triste,


é um som de abate,


é um som de batuque.


Choro o som do açoite torturante


na noite ensanguentada.


Choro a dor da mãe negra


que perde o filho de peste,


mas dá seu leite de amor.


Choro o banzo dos negros


na viagem sem volta.


Mas o que fazer


se a humanidade fria se tornou?


Ah, choro todas as misérias


deste mundo pequeno e desigual.


E meu pranto lava meus pecados,


lava os pecados do mundo,


mostra nossa carne exposta.


Pecadores que somos todos nós.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Lançamento de "Estelar", de Alice Monteiro, Livraria da Travessa do Leblon - Editora Ibis Libris - 13.05.2009 - Fotos: Flavio F. Cavalcante



















































Queridos familiares e amigos,
Obrigada pela presença de todos no lançamento de Estelar. A alegria da noite de autógrafos se deveu a vocês. Nas fotos acima alguns momentos do evento, que foi inesquecível e mágico para mim. Um sonho que, enfim, se realizou.
Muitos beijos,
Alice









segunda-feira, 18 de maio de 2009

Corça Ferida

Quando nada mais existir,
senão o rastro das estrelas,
e do porvir eu nada esperar,
quem sabe um anjo alado
possa contar-me segredos
das nebulosas e galáxias.
E no momento cintilante
e estelar em que me encontro,
possa eu te rever
com outro semblante,
em outra dimensão, talvez.
Possa eu sonhar fantasias e
devaneios azuis lunares.
Mas nem os anjos,
nem as estrelas celestes,
nem o calor do sol
podem me dar
a esperança perdida.
Das constelações
avisto os prados
onde fui feliz um dia.
Mas não há mais
planícies verdejantes.
Vejo apenas do alto
uma corça ferida
pela flecha pontiaguda
de um caçador sem alma.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

terça-feira, 21 de abril de 2009

Canto de Louvação

Quero te fazer um canto litúrgico,
sem incompletudes, nem ritos,
nem desejos.
Que te pareça agnóstico.
Canto de harmonia sublimada.
Canto de calmarias.
Canto repousado.
Canto de silêncio.
Canto de louvação.
Quero compor um canto nupcial.
Para chegarmos juntos,
quem sabe,
ao destino final.
Porém para ti sou tão-somente
uma estrela desgarrada
das galáxias.
Para ti meu corpo
tem a cadência do lamento.
Mas quero apenas tecer um véu
que jamais me tolde os olhos.
Para que eu sempre te veja
muito além do que me mostras.
Não quero ser tampouco exigente.
E antes que chegue, amor,
a madrugada,
eu claramente te pergunto.
Se nos queremos tão bem
por que tudo isso agora?

terça-feira, 14 de abril de 2009

Minha fortaleza está na solidão

O que restará de nós
quando o amor deixar de ser terno?
O que restará de nós
quando o amor for feito de angústias
e não de entendimentos?
O que restará de nós
se não soubermos
conduzir nossos loucos desejos?
O que restará de nós
se entrarmos no turbilhão
da audácia de viver?
A poesia que te dou hoje
é uma desordem total.
Enxergo o caos criando instantes.
É que sinto falta, confesso,
da emoção que tinhas no passado.
E falta algo, falta alguma coisa.
Não sei ao certo.
Vejo sombras e nebulosas
no teu semblante.
Revelações nas entrelinhas.
Me torno bela e pura para te seduzir
e não me satisfaço.
O resultado é imperfeito.
Busco a comunhão
mas desconheces a palavra.
Crio a paixão e me torno tímida.
Invento o mundo
em busca da verdade filosófica.
Invento a vida
em busca da transcendência.
Invento coisas e reconheço:
minha fortaleza está na solidão.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Janela Fechada

Foto: Márcia Monteiro


Na casa vazia,
imagens palpitam
por trás da janela trancada.
Rostos perdidos
não se revelam.
Vozes veladas
suspiram por amores distraídos.
Surdinas vozes
clamam silentes seus desejos.
Exílios e ausências
habitam entre emoções
em desalinho.
Desalentos e medos
se contorcem
como bocas famintas.
Espreito um olhar furtivo
no vazio tão denso de tudo.
Mas a casa continua vazia.
Não há mais canção possível.
E a janela está fechada.
Definitivamente fechada.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Contrapontos

Nas complexidades
e contrapontos
dialogamos as inquietudes
que nos devastam a alma.
Nos sufocamos com invenções.
Fazemos poucas concessões.
Nos cobramos atenções.
Depois caímos exaustos.
Quando a irrequieta noite chega
somos apenas dois mortais,
sonhando com a eternidade.
Navegamos nos desvarios.
Afagamos com delicadeza
a nossa loucura.
Porém, teu dorso me agasalha.
Meu ventre é teu êxtase
e teu repouso breve.
E é no silêncio do crepúsculo,
na parede multifacetada do quarto
que buscamos a comunhão.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Longe de ti

No silêncio da tarde
abraço tua lembrança fugidia.
E longe de ti
acordo da ilusão.
Outro mar de tormentas palpita
na solidão e no medo.
E longe de ti
o encantamento da tarde
é bruma que se dilui,
abrandando o vento.
As folhas vagueiam
à procura dos teus passos.
Escorrem seivas e salivas.
Infames lágrimas
brotam de olhos cegos.
E é no silêncio
que te encontro depois.
O corpo exausto das batalhas.
Mãos que nunca plantaram.
Mãos que sequer colheram.
E longe de ti
eu sei que tudo fica inútil,
mas choro de puro amor.

LANÇAMENTO ESTELAR


Queridos amigos e amigas,

"ESTELAR", meu primeiro livro no gênero poesia, vai ser lançado no dia 13 de maio. Breve colocarei o convite no blog, com local e hora.

A presença de vocês no lançamento será fundamental para o sucesso do evento.
Obrigada pelo estímulo que tenho recebido de todos vocês, através dos comentários, telefonemas e manifestações.
Beijo carinhoso,
Alice Monteiro


segunda-feira, 23 de março de 2009

Espirais de Prata

A Adalcyr de Morisson Monteiro,
meu pai amado,
in memoriam


Pensamentos silentes

povoam minhas memórias
e soltam o verbo preso.
E o carinho,

que nos devotamos,
é somente vento
em espirais de prata.
Me refugio nas sombras
das lembranças guardadas.
Me aconchego nos sonhos
de uma vida inteira.
Tua vida longa

aos meus olhos
foi tão breve.
Uma doce saudade
me invade o ser.
O silêncio da noite
é tão intenso
que me aquieto
à espera de ouvir
tua voz repousante.
Não quero te acordar.
Dorme, dorme,
meu paizinho.
Pássaros celestiais
vieram te buscar.
E serafins alados
já embalam teu sono.
Agora tens, enfim,
a paz da eternidade.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Jogo de Ilusão

Subverto os limites
entre realidade e ficção.
Retomo o diálogo
com o tempo.
Debruço-me na sacada
da nossa trajetória.
Flutuo junto
à ruptura e a inspiração.
Luto e me perco
em ousado desejo.
Abraço gostos e desgostos.
Observo a escuridão
por trás de tudo.
Vejo a imobilidade
e o vazio.
Preservo os espaços
que sobraram
e aguardo a possibilidade
do encontro amoroso.
Mas tudo parece
um desenho psicodélico,
libertário e discutível.
Às vezes sinto-me
em colapso total
e os ruídos externos,
confesso,
ferem meus ouvidos.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Estelar


Caros Amigos,
É com muita alegria que comunico a todos vocês que meu livro de estreia em poesias "Estelar" já está pronto. Foi editado, com todo capricho, pela Ibis Libris.
A capa é a reprodução do quadro renascentista "Júpiter e Io" ,
de autoria do pintor italiano Antonio Allegri (1489-1534), conhecido como Correggio.
O lançamento será em maio próximo. Espero todos vocês lá.
Quando estiver definido o local e a data, aviso.
Até breve!
Beijos,
Alice Monteiro

O Desaparecido

Ela virou-se bruscamente à procura do anel de noivado. Tinha certeza de tê-lo colocado à mesinha de cabeceira na hora de dormir. Pronto, o que vou dizer ao Rubem? Vasculhou o quarto inteiro, debaixo da cama e nada. Era uma linda jóia de família, com um brilhante incrustado formando um delicado desenho geométrico. Rubem tinha proposto:
— Vamos morar juntos, Aimée?
— Está bem, vamos.
No dia seguinte, ela disse para Rubem:
— Tenho dúvidas, querido.
Mesmo assim, Rubem lhe presenteara com o anel, uma relíquia de sua bisavó materna, olhos esverdeados e espanhola de Andaluzia. Ele não a conhecera, mas, segundo familiares, era considerada uma santa, ajudava a todos sem distinção e tinha uma sabedoria advinda talvez dos livros sagrados que lia desde pequena. Havia aprendido o alfabeto, noções de ciências e filosofia, o que era considerado raro naquela época em que as mulheres somente cozinhavam, cuidavam da casa e gestavam muitos filhos. Montava a cavalo em total liberdade nos pátios e nas cercanias do sítio onde vivia.
Rubem gostava de pensar em sua bisavó. Uma mulher misericordiosa e moderna para os padrões espanhóis do século XIX. Pelos retratos amarelecidos que recebera de herança, Aimée lembrava fisicamente sua bisavó, María Pilar. Talvez o meio sorriso, o jeito de menina, o feitio da sobrancelha espessa, os cabelos ligeiramente ondulados, o olhar enigmático e inteligente.
- Nossa, será que estou tão apaixonado assim? Não estou fantasiando Aimée?
No quarto de dormir, Aimée continuava procurando o anel. Sabia que seria uma tarefa difícil se não o achasse. Rubem não a perdoaria! Ninguém havia entrado em seus aposentos. Ritinha, a empregada, era de total confiança da família. Não começara a limpeza da casa, nem servira o café da manhã. Todos dormiam, a casa estava silenciosa. Os primeiros raios de sol penetravam através das cortinas transparentes e esvoaçantes. Cansada de procurar, vestiu-se e desceu as escadas.
Encontrou Ritinha preparando o desjejum. Dirigindo-se a ela, cumprimentou-a, dizendo:
— Você, por acaso, viu o anel que Rubem me deu de presente?
— Não, Aimée, não arrumei os quartos. Só se você esqueceu aqui na cozinha, no lavabo ou na sala. Você já procurou em todos os lugares da casa?
— Ainda não. Vou primeiro comer. Seu café está cheiroso... Você assou bolo de aipim com coco? Ah, faz um suco de laranja pra mim?
— O bolo ainda está quente! Toma aqui seu suco, tem pão fresquinho, geléia de figo, queijo curado e presunto. Você quer ovos mexidos?
— Nossa, Ritinha, você quer me ver gorda?
— Você está muito magra, Aimée! Pode ganhar uns três quilinhos... Eu é que tenho que tomar cuidado. Outro dia o Floriano me disse que eu estava bunduda!!!
— Muita audácia dele, Ritinha. Ele com aquele barrigão. Só o que faltava...
Aimée comeu sem pressa, estranhou que seus pais ainda dormissem até àquela hora. Cláudio, seu irmão caçula, não tinha hora para nada mesmo.
— Rita, você viu meus pais hoje?
— Penso que eles acordaram muito cedo, o dia está lindíssimo, devem ter ido passear de bicicleta ou foram comprar verduras frescas para o almoço. Logo estarão de volta! Seu pai não dispensa meu café.
Enquanto saboreava o bolo de aipim ainda quente, Aimée ouviu um barulho estranho vindo da sala.
Em seguida, um homem apareceu surpreendendo as duas.
— O que você quer aqui? — disse Aimée tentando se mostrar segura.
— Eu não sou um homem.
— Não entendi sua resposta.
— Gostaria da sua saudação. Você não recebeu bons hábitos?
— Se é só isso que você quer, eu cumprimento você. Bom-dia! Gostaria que fosse embora.
— Estou com fome. Posso me sentar e comer com você?
Para ganhar tempo, Aimée fez sinal para Ritinha e esta trouxe uma caneca, pão, manteiga, leite e a garrafa térmica com café ainda tinindo de quente.
Em segundos, o senhor devorou o café da manhã. Parecia mesmo faminto e cansado. Talvez não tivesse dormido, estava sujo, mas não passava medo. Tinha olhos virtuosos, suas mãos magras tremiam.
Lá fora, o som de uma bicicleta derrapando. Os pais voltavam. Seria difícil entender o que se passava na copa-cozinha, aquele homem maltrapilho lanchando ao lado da filha.
Madalena entrou afobada acompanhada do marido, Araújo, as faces afogueadas pelo esforço das pedaladas.
Quando olhou o velho perto de Aimée, seus olhos encheram-se de lágrimas:
— Milagre, milagre! Tio Gregório voltou! Tio Gregório voltou! — gritou quase de um fôlego só. Escapou-lhe do peito um profundo suspiro.
O ancião fez seu único gesto: entregou o anel de noivado a Aimée. Estava todo sujo de terra e de lama.
Aimée, perplexa, não entendeu o regresso do seu tio-avô, desaparecido há três anos e como o anel de brilhante havia parado em suas mãos.
Mas esse mistério faz parte de uma outra história.

terça-feira, 10 de março de 2009

Fragmentos de Mim

No horizonte infindo,
arrasto-me à procura
de motivos para sorrir.
Mas é tempo perdido
e estou de mãos vazias.
E o que é um poeta de mãos vazias?
Atravesso ruas,
desbravo vielas,
numa velocidade urbana
que me supera.
Quase cega,
corro em ziguezague,
buscando o medo.
Quero te provar algo
fora dos limites.
Meu corpo sente calafrios,
mas desconheces.
Algo sufoca meu peito.
Busco a aventura
e a coragem.
Busco a ousadia
da conquista.
Mas no fundo mesmo,
quisera eu ser
tua obra-prima.
Quisera ser
a alma gentil,
sem infâmia,
sem enganos,
assim quase perfeita.
E, por favor,
não me julgues mal
se vejo perfídia em alguém.
E se em cada beijo teu
o universo insondável
mostra seus desejos.

Entranhas

O amor que te dou
está na literatura, nos astros
e nas estrelas.
Desnecessário mostrar
o coração acelerado.
Me despi de tudo
e tenho a carne exposta.
Rasguei o imponderável.
E só a arte agora me comove.
Toco as constelações,
componho canções.
E me abasteço de razões
pra não sofrer mais.
Aguço meus sentidos
para afastar-me da angústia.
E me desafio para livrar-me
de tudo que me cega.
Vou ao meu próprio encontro.
Escrevo com fascínio
e sofreguidão.
Tento te reinventar.
Mas já fazes parte da imaginação.
As palavras, sim, me pertencem.
Descobri que nada é meu.
Pensei que era, mas
tudo o mais é reticente
e cheio de caprichos.
E eu me preencho
e me supero
do amor que não me dás.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Abraços Siderais

Dentro do momento insano
e da curva desta esquina,
teus gemidos são ouvidos.
São lamentos do mundo,
enclausurados no peito.
Pensamentos embaçados
represam tardes de chuva.
O que te dizer
se a tempestade te engole?
Seguro as lágrimas,
traço rumos para os beijos
que trocamos.
Nada mais doce
do que o sonho tangível.
Sei como dói amar.
Crio redenções.
Invento possibilidades.
Reviro-me
e envelheço um pouco.
Destilo seivas,
entre lençóis amarrotados,
com o cheiro da tua pele.
Enfrentaria tudo
para não sentir a dor aguda
que abate teu corpo exposto.
Talvez fosse melhor gritar.
Talvez o silêncio da noite tardia
embale teu sono dolorido.
E voltes a ser menino grande,
a brincar debaixo da escada
de esconde-esconde.
Mas a canção silente,
pela vida afora,
leva teus passos
em direção ao íntimo da alma.
Quem sabe agora a noite
cale todo o sofrimento.
A força lírica
de abraços siderais
virá te trazer conforto.
E anjos e querubins
beijarão com ternura
tua face solitária.

terça-feira, 3 de março de 2009

Nas Asas da Poesia

Na poesia vou,
dou corda e linha ao imaginário.
Na poesia, viajo
nas asas dos meus sentidos.
Na poesia, busco
teu ser idealizado.
Tua presença distante
é tão palpável
como o ar que respiro.
E a vida nunca me pareceu tão bela
já que me sinto viva,
novamente.
Tua simples existência ocupa
o ar de sonhos e desejos
que o vento desconhece.
As estações do ano se enchem
de novos tons porque existes.
E é tão belo sentir
o que vem de dentro de mim
desta forma inesperada,
sutil e genuína.
Através da poesia,
toco teu corpo e tua alma.
E teu corpo
das ilusões que compus
nunca me pareceu
tão perfeito como agora
que tua presença
é apenas tecida dos meus sonhos.
Por não saberes de mim,
seduzo-te, docemente.
E volito serena nas asas da poesia.
Por desconheceres as minhas emoções,
filosofo sem pudores sobre o amor.
E também o amor
nunca me pareceu tão belo,
eternizado neste instante
de vida, magia
e encantamento.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Amigos,

Quem tiver interesse, poderá ler minha entrevista no site Whohub, em
http://www.whohub.com/copacabana

Intenção

Toco com delicadeza e ternura
teus cabelos de lua.
Sou passarinho
e aprendo um novo voar
na luz da manhã
que a vida me dá.
Me emociono com teu rosto.
Não percebes a sutileza
deste instante de beleza e dor.
No horizonte matinal
que o tempo desconhece,
quero cantar o meu mais belo canto.
Para enternecer teus olhos
que já viram tudo
e descrentes se tornaram
pela vida afora.
Te abraço e te beijo devagar.
E este afago é tão amplo
que o mundo inteiro
não comporta.
Quero tocar teus dedos
com a singeleza dos anjos,
te fazer menino novamente.
Te dizer coisas secretas.
Colar meus ouvidos no teu coração
e extrair de ti doce canção.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Homem do Guarda-chuva Vermelho

Aquele encontro futuro já estava previsto por Domingos há meses. Não sabia se era sua forte intuição ou se ele tinha mesmo algum poder especial. Vivia dizendo que Nara ia encontrar Caco na rua. E seria num dia chuvoso de verão.

No início, Nara pensa que é pura brincadeira de Domingos já que ela adora comprar guarda-chuvas. Possui uma coleção deles, de variados tecidos, desenhos e cores. Prefere os de cabo longo, modelos exóticos e sofisticados. Domingos também não desconhece que Caco é seu ator preferido.

Mas a insistência de Domingos chega a ser quase uma obsessão. Ele sabe perfeitamente que Caco mexe com seu imaginário. Dono de uma beleza incomum, tem um charme bronzeado, rosto talhado a canivete, corpo atlético, alto, sorriso encantador, olhar misterioso, voz máscula e ritmada.

Nara não compreende a motivação dele sobre o possível encontro com Caco. Domingos precisa regularmente de fantasias para alimentar seu amor por ela? Seria essa a razão?

Afasta as cortinas e abre as janelas do quarto, em seguida senta na pequena poltrona e pega um livro na prateleira sobre a vida de Simone e Sartre. Gosta de ler sobre a rabugice, a inteligência e a liberdade de Sartre. As atitudes independentes de Simone a deixam empolgada. Ao mesmo tempo, acha estranho que S. de Beauvoir sinta tanto ciúmes de Sartre. Lembra de uma frase memorável dela: "É o desejo que cria o desejável e o projeto que lhe põe fim". Tem verdadeiro fascínio pela história complexa e eletrizante dos dois amantes.

Um leve cheiro de flores silvestres invade o aposento que dá para um jardim. Liga o som e uma música suave de fundo torna o ambiente acolhedor. Precisa de paz para raciocinar.

Enquanto lê trechos da biografia, reflete sobre o comportamento cheio de altos e baixos de Domingos. Tenta manter os nervos sob controle absoluto. Não possui mais habilidade para compreendê-lo?

Surpreendentemente, se constrange com a altivez e a natureza de Domingos por demais contestadora. Faz uma pausa na leitura, suas pálpebras fecham à procura de uma corrente que flua melhor seus pensamentos desalinhados. Seus olhos reviram para cima enquanto ela ouve o eco de suas reflexões.

Logo se recompõe e todas as suas necessidades emocionais parecem subitamente satisfeitas. Decide sair e almoçar com uma amiga. Senta na cama e liga para Maya que está disponível e se mostra contente com o convite. Há muito não se veem. Maya é particularmente simpática e brincalhona.

Marcam em um restaurante tradicional e discreto, avarandado, propício a longas conversas e confidências. Maya chega pontualmente às 13 horas. Está com sede e logo pede um suco de laranja com gelo. Abraçam-se longamente como duas irmãs. Toda vez que elas se encontram, se observam atentamente como fazem as mulheres. Maya é muito elegante, os cabelos alourados caem sobre os olhos. Usa um vestido longo com estampa oriental e uma sandália havaiana tipo exportação.

Nara repara logo seu celular de última geração. As duas amigas, no entanto, não têm mais a mesma intimidade, Maya atende uma ligação atrás da outra. Aquilo irrita sobremaneira Nara. Ela deseja conversar, mas a conversa não engrena. Pedem o cardápio e as duas decidem comer um filé com legumes na manteiga. Não dispensam o chope com dois dedos de colarinho. Bebem quatro em tulipas finas.

Três da tarde quando o telefone toca e Maya fala com voz sussurrante. Diz que seu namorado vem buscá-la. Comenta sobre ele com entusiasmo juvenil.

O tempo vira, sopra um vento estranho e nuvens cinzentas surgem no céu. Dez minutos depois, cai um aguaceiro. As duas mudam de mesa para se proteger da chuva. Pedem, apressadas, a conta.

Um pensamento ligeiro passa pela cabeça de Nara.

Em seguida, ela vê entrar o deslumbrante Caco, guarda-chuva vermelho molhado, indo em direção à mesa.

Para perplexidade de Nara, beija longamente sua amiga com fervor de namorados recentes.

Os dois se despedem rápidos de Nara e saem, batendo a porta do carro.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Deixo para Amanhã

Quero saber
os planos de tua vida.
Temerosa, deixo para amanhã.
E não te pergunto nada
que não seja fantasia.
Há muito tempo
falta-me coragem.
Não alegues, porém,
que tudo foi ilusão.
Guarda tão-somente
a intenção da minha poesia.
Ontem o amor me percorreu
qual música que soa
noite afora.
Acerca-te de mim,
bem devagar.
Envolve-me
com teus braços largos.
Dize-me dos devaneios.
Fala-me baixinho de quimeras.
Acharás por certo outros portos.
Navegarás por oceanos.
Vislumbrarás tempestades.
Verás também calmarias.
Mas no bramido dos ventos
temerás como um marujo
as agruras do mar
nas vagas gigantescas.
E quando de súbito
me escutares
quem sabe possa voltar
a te dizer ternuras.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Desejos

Libertei-me.
No meio de tantas tristezas,
envolta em nebulosas,
não mais me deixei prender.
Numerosas serão as manhãs
de aprazíveis primaveras.
Tu hás de sentir
a falta da minha ternura.
Sentirás a falta da minha carne
que já foi delírio.
E não mais me encontrarás
no teu caminho incerto e teatral.
Imaginei-te na noite alta
com a cabeça circundada
de louros e jasmins.
Não quiseste as
riquezas que te dava.
Sublimes e preciosas eram.
Riquezas vindas
do orvalho luminoso da manhã.
A cada instante juras
começar vida nova.
E eu te peço apenas
que me escrevas.
Só alguns versos de nossa vida,
que já foi música
e doce poesia.
Mas teus lábios
sequer me beijam
com o mesmo encantamento
e a plenitude de antes.
Só há rotina e tormento
nos teus olhos enredados.
És apenas um rosto cansado.
Perdeste a paixão de viver.
Perdeste a audácia de outrora,
creio.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Solidões

Busco as solidões
que o tempo não aplacou,
os sofrimentos vãos.
Intolerável a minha dor,
tão rígida como uma pedra.
Feita do menor granizo
ou construída nas rochas?
As ressacas das ondas
são minhas lágrimas
que me atiram para trás.
À deriva me encontro.
E sacudida e trêmula
como folha ao vento,
sou tormenta e clamor.
Clamor de tempestade
em mortalha branca.
Meus braços magros
desaparecem e se estendem
num abraço de morte.
Meu corpo rodopia
e cava abismos profundos.
E mergulha furioso,
ferido de morte.
Sou febre,
sou frio,
sou sede.
Mas face a face
com teus olhos glaciais,
posso dizer que me perdi.
E a abundância de delícias
que vivi outrora
é quimera vã
na imensidão de sentidos.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Palavras

Não entenda mal
minha palavra.
Ela tem aroma
de brigadeiro
e fulgor de juventude.
As palavras
são hinos de louvor.
Deixo os infortúnios
para trás.
E as lágrimas que verti
não voltam mais.
Libertei-me da paixão
que me exauria.
Não temo mais as perdas,
o fim das ilusões.
Enterro as lembranças
num funeral cheio de ritos.
Deixo o colorido sonho
mostrar sua face encantadora.
Teu rosto sensível e belo
apaga as marcas do meu
corpo fatigado.
Me atrevo a pensar
que a vida é mesmo bela.
Percorro caminhos novos.
E no sol da tarde,
debaixo da janela,
há de existir,
quem sabe,
o amor que busco.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Juras Secretas

As mãos unidas,
o olhar poético,
nossos lábios selados,
com que ansiedade
eu quis teus beijos.
Juras secretas,
uma outra vida.
Começar de novo.
Mas quando o dia vem
com seus conselhos
de orvalho,
as promessas se tornam vãs.
A alegria é tão fugaz.
E a alma teme
a grandeza do momento
que se esvai.
E diante da noite
mais cuidadosos
nos tornamos.
Não te iludas porém,
meu amor.
E ouve com emoção
o meu silêncio.
Não alegues
que tudo foi só um sonho.
Dize que teu ouvido
se enganou.
É só isso que te peço.

Amor de Incompletudes

Bate suavemente
a outra porta.
Uma janela se fecha.
E o amor de incompletudes
que te dou,
voa indeciso como passarinho.
Invento razões
que só o amor pode inventar.
Procuro o estreito espaço
que delimita o que posso.
Fujo de confrontos.
Brinco com a dor.
Quero o repouso
do teu corpo amado.
Mas quanto mais te quero,
mais te perco.
Não consigo apalpar
teu complexo amor
que minha mão não alcança.
Já não me escutas,
não te vejo,
não me apertas
ao peito como fazias.
Existe algo mais?
Só sei da falta
que me fazes.
No mais, tudo se dilui.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Adeus

Difícil dizer adeus.
Abaixo todas as recordações!
Segue o trem da vida.
Onde irá chegar?
Mudaste bastante.
Faltam gestos de delicadeza.
E tuas palavras
nunca me feriram tanto.
Porque banalizas todas elas.
Quantos dias e noites
jogados fora!
Pensei que te dava
o melhor de mim.
Mas o melhor de mim
não era grandioso,
era apenas meu desejo,
eram sonhos de ventura,
eram meus beijos,
era meiga carícia,
era meu amor imperfeito,
e não te bastavam.
A neblina tolda meus olhos.
Meu pranto é
um soluço represado.
A lágrima que não pude chorar
está guardada no peito.
Uma inquietação permeia
minha noite insone.
Tudo foi tão inesperado...
Fazia muitos planos e
tinha fome dos teus braços,
sempre.
Quero gritar,
mas a voz não sai.
Desabaladamente,
tento esquecer tudo
que passamos.
Porém há um abismo
entre nós.
Exílios e mortes.
Abaixo o amor!
És doravante
aquele que eu amei
loucamente.
Mais nada.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Beduíno

Se eu soubesse da tua partida,
talvez fosse outra minha sina.
Se eu soubesse
que era teu último abraço,
eu te apertaria com braços e laços
para que não desfizesses os nós
das ternuras que nos dávamos.
Agora estou sem braços para abraçar.
Se eu soubesse que seria
teu último beijo,
eu te daria a entrega
do amor incondicional.
Se eu soubesse do adeus repentino,
tocaria tua alma inteira
e ficarias perpetuado
nas minhas mãos pequenas.
Mas estou sem mãos para acariciar.
Foste sem olhar para trás,
com a coragem dos aventureiros.
Foste de repente como um beduíno
à procura de areias longínquas,
longe das histórias já vividas.
És um nômade com sonhos e ilusões,
a querer novos amores e venturas.
Inútil que eu me iluda agora.
Dou tempo à dor e acalento a perda,
o coração apertado,
os olhos doloridos.
Pois és um beduíno,
sei que jamais irás voltar.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pássaros Vorazes

- Você é a única mulher da minha vida, meu amor -. Ricardo sempre dizia frases de efeito e românticas quando ela fazia cenas de ciúmes. Mas nem sempre era convincente nas afirmações e no tom de voz meio irônico.

As mulheres do passado persistiam em deixar recados reticentes e insinuantes na secretária eletrônica. Escreviam e-mails que Ricardo escondia em arquivos secretos no computador. Falavam através de chats de conversação. Deixavam mensagens saudosas no Orkut e recados no celular.

Suzana se irritava, principalmente quando ele vinha com jargão do tipo "você vê cabelo em ovo"... Afinal, ela não tinha problemas auditivos e apesar dos óculos, via muito bem. Não inventava coisas. Sempre fora observadora, curiosa e detalhista. Por ser mulher, conhecia o assédio feminino.

Ricardo não lhe dava sossego. Pelas fotografias desbotadas e amareladas pelo tempo, tinha sido lindíssimo. Um verdadeiro Apolo. Continuava um homem atraente e interessante. Adorava contar histórias de sua vida e como tinha histórias! Algumas inusitadas, pitorescas e excêntricas, sempre com celebridades. Tinha vivido 13 anos em Londres, viajado muito e possuía um currículo de causar inveja.

Instável, porém, Ricardo ficava sujeito a desagradáveis variações de humor. Talvez por ter enxaqueca crônica. Mas com as amigas e ex-namoradas era a doçura em pessoa. Tinha o péssimo hábito de chamar todas elas de "querida". Às vezes até de "meu amor". Ele dizia as mesmas palavras pra ela e Suzana não sentia a mínima diferença de tratamento, procedimento lamentável entre dois amantes. Era o fim da descortesia. Nunca havia passado por situação semelhante. Isso causava uma tensão constante, que ele não alcançava. Ricardo a esmagava lentamente com seu modo desajeitado e áspero de amar uma mulher como Suzana.

Suzana tentava se controlar e agora adotava outra estratégia. Fingia que não ouvia. Na realidade, ficava mesmo possessa com sua gentileza melosa de elogios fáceis a qualquer rabo-de-saia.
Não sabia como proceder diante daqueles pássaros vorazes que gravitavam como corvos agourentos no entorno de Ricardo. Todas em busca de prazer fugaz, de um rolo amoroso sem compromisso. Mulheres desfrutáveis, despudoradas, fáceis e livres. Umas saradas, burras e bonitas. Outras gastas, inteligentes e gordas.

– É isso mesmo que lhe digo, querida Suzaninha, seu ciúme é um câncer incurável. Você toma atitudes totalmente irracionais e fantasiosas. Você cria fantasmas do nada. Fico bastante chateado. Você devia confiar mais em mim. Já conversou sobre o assunto com sua analista?

- A culpa é toda sua, Ricardo, que me dá motivos. Não aguento mais este joguinho de sedução barato com as mulheres. Será que é baixa-estima? Necessidade de provar que é macho? Você já me traiu?

- Nossa, que interrogatório! Nunca te traí, Suzana. Juro. Por que me faz tanta pergunta?

- Seja sincero, Ricardo.

- Sou culpado por preservar minha individualidade? Se você fosse menos inteligente, quem sabe teria atitudes mais sensatas...

- O quê? Você preferia que eu acreditasse em tudo que você diz sem questionar? Agora minha inteligência incomoda você?

- Sabe, Suzana, detesto mulher manipuladora. Está para nascer quem vai me controlar. Nem minha falecida mãe - que Deus a tenha em bom lugar - me controlava. Ameaçou evocar passagens da infância perdida e esquecida nos baús da memória. Desistiu, aborrecido com o rumo da prosa.

- Tem gente que gosta de ser controlado, meu querido. Voltando à minha inteligência, sei que você nunca teve paciência com gente burra. Liberdade, meu anjo, pressupõe respeito com a pessoa amada. Não se pode ter tudo o que se quer. Preciso lembrar que você não é mais aquele homem disponível do passado? Ou ainda é? Não dá para ficar em cima do muro, meu bem.

- Vamos mudar de papo, meu amor. Chega de discussão tola. Não vamos passar a noite falando sobre o sexo dos anjos... Parece uma esgrima mental.

- Esgrima mental? Ricardo, não quero lutar com você. Detesto briga. Quero viver em paz. Paz e Amor como na época dos hippies. Quero ser tratada como uma flor, mas você me aperta com força. Esmaga minhas melhores pétalas.

- Para de usar metáforas. Olha, gravei o capítulo da minissérie de ontem. Vamos ver juntinhos aqui no sofá da sala? Viu como eu penso em você? Faço todas as suas vontades! Gosto tanto quando você está feliz. Seu sorriso, Suzie, é tão lindo...

Apesar de não gostar de brigas inúteis, Suzana preferia esgotar os conflitos até torná-los digeríveis. Ele saía sempre pela tangente ou partia para o ataque, aos uivos... quando não encontrava saída. Suzana ficou na sala ruminando os pensamentos desalinhados. Gostaria de ter continuado a conversa. Sentiu-se frustrada com as rotas explicações que ouvia. "Como sou tola..."

Esforçava-se constantemente para evitar desgastes na relação amorosa, mas restava muito a fazer. O cotidiano era difícil e tinha o sabor de café requentado. Suzana gostava do glamour das cenas de cinema, beijos ardentes, sentir o coração bater como nos primeiros dias de namoro.

Abriu uma cerveja belga bem gelada. Há tempos não experimentava marca tão saborosa.

Ricardo dormia, o que não era hábito, assim tão cedo. Será que fingia? Sempre varava a madrugada vendo filmes que alugava no vídeo da esquina. Películas de ação, suspense, policial, humor nonsense. Filme cult assistia com Suzana, ambos amantes da sétima arte.

Suzana chegou a lamentar o sábado decepcionante e interminável. Teria percebido sinais de mentira no rosto de Ricardo? Recordou que ele assumia expressões inquietas quando questionado. Ou ela exagerava? Que ânsia é esta? Que teria afinal?

Altas horas da noite, o telefone da sala toca estridente. Uma voz sussurrante de contralto chama por Ricardo. Suzana diz que ele está dormindo. A mulher não deixa recado. Ela insiste e a pessoa desliga rapidamente.

Cambaleante de sono, ele se levanta sobressaltado com o som alto da campainha do telefone. Tenta balbuciar algo e fica engasgado com a própria saliva.

Suzana nunca mais voltou a ver Ricardo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Deixa-me Ser Tua

Deixa-me ser tua
porque já sou:
sentimento, corpo e alma.
Não há mais jeito,
meu coração está contigo.
Entreguei o melhor de mim,
não há como negar,
não há como impedir.
Deixa-me ser tua
nem que seja por poucas horas,
por uma tarde, uma noite
um mês, um ano,
por uma vida,
por toda a eternidade.
Tudo é misterioso e mágico
como a vida e a finitude.
Mas deixa-me ser tua.
Não percebes que já percorri
com meus dedos
teu corpo idealizado?
Não sentes que já te beijei
em sonhos teu corpo inteiro?
Não vês que o som da tua voz
está gravado para sempre
nos meus ouvidos?
Nada mais podes fazer,
a não ser permitir.
E me querer também
just a little, little by little.
Não sentes a química
que nos envolve?
Este desejo é loucura
e é vida.
Tinha me esquecido
que viver é muito bom!
Não percebes minha sede de viver?
Deixa-me ser tua...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Olhos de Madona

Teus olhos de madona
têm doces mistérios
e dimensões do universo.
Não sei se teu olhar pungente
cativou-me à primeira vista.
Ou são detalhes luminosos
de um amor que me avassala
e me devora a mente.
Não fosse isso o bastante,
tua boca é de uma beleza ímpar.
Lábios que enlouquecem,
reveladores de histórias
que não são minhas.
É difícil a um simples mortal
ter controle do corpo
e coração.
Que queres de mim, madona?
Faria coisas por ti
que assombrariam o mundo.
Basta que me peças.
Deixa-me te mirar de novo.
Pudesse impedir que fosses
tão-somente a fantasia,
o sonho e o delírio.
Mas quem sou eu
tão sozinho e derrotado
por teu sublime olhar de madona?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sonhos Partidos

Desço aos labirintos
da tua alma
e vejo a fragilidade
do mundo que construíste.
Quero trazer algo
que te transcenda,
mas não deixas.
Há um quê de intransponível
na viagem obscura
e solitária.
Há sonhos perdidos.
Vejo ternuras partidas.
Choro e me angustio.
Grito para que me escutes,
mas teus ouvidos absortos
se recusam.
Volto, então, ao labirinto
como se pudesse te livrar
de tantos nós.
Me entrelaço e me embaraço
na tentativa inútil
de embalar teus sonhos frágeis.
Na tentativa quase estéril
de que acredites
outra vez na vida.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Amante do Silêncio

Evitou que a monótona ausência de som interferisse nos seus pensamentos. Queria clareza. Distinguir sutilezas no tom de voz de Marisa. É difícil entender a alma feminina. Ela tem se distanciado de mim. Talvez tenha interesse por alguém, mas não vai me contar.
Gilberto caminhava do quarto para a sala, da sala para o quarto, sem encontrar ocupação nem sossego. Só pensava em Marisa. - Fica em silêncio, meu querido -, dissera ela na última noite de amor. - Gosto de ficar quietinha depois do orgasmo... - Isso não era comum nas mulheres, já tivera várias. Gostavam de falar depois do gozo. Marisa, de uns tempos para cá, se tornara assim: amante do silêncio. Acho que fingia tranquilidade, estava alheia. Não sentia seu coração bater, faltava algo. Faltava entrega.
Não sabia como agir diante daquele monstro que surgia sem nome e aparência. Se pelo menos ela se abrisse comigo... Será que estou preparado para o fim do relacionamento?Posso até provocar uma conversa, mas como vou reagir se Marisa quiser um pretexto para terminar?
Cheio de dúvidas, Gilberto saiu de casa. O amor é a coisa mais triste quando se desfaz... De quem era mesmo a música da MPB que cantarolava com insistência? Entrou no bar da esquina, onde não era figura muito conhecida. Ultimamente, Marisa escolhia os lugares e apreciava ambientes sofisticados.
Pediu uma bebida destilada. O garçom trouxe uma dose dupla de uísque nacional. Bebeu apressado, sentiu uma espécie de torpor semelhante ao delírio. Ali ficou no balcão, remoendo os pensamentos e olhando o celular que não tocava. Mais uma dose: a bebida apertou a garganta. Seus olhos desfocados buscaram o caminho de casa. Pagou a conta e andou cambaleando até o apartamento. Custou a achar a chave no bolso da calça esportiva.
No telefone fixo, uma mensagem de Marisa dizia que ela o tinha procurado. Sem encontrá-lo, marcara um encontro com uma amiga dos tempos de Universidade. Que colega era essa sem nome? Por que não comentara aonde iam? Por que não ligara para seu celular?
Sentiu-se traído pelas circunstâncias. Enganado por Marisa e por sua nova parceira da noite. Tentou dormir, estranhou o travesseiro. Lavou muitas vezes os dentes para retirar o amargor da boca deixado pelo uísque.
O sono desaparecera. Sabia que era perigoso tomar calmante com bebida alcoólica. Levantou. Ligou a tevê à procura de um filme atraente. Não encontrou nada que o motivasse: programas banais de auditório, cinema da pior qualidade com finais previsíveis. Colocou um CD de Carlinhos Brown. Muita percussão para sua cabeça estressada. Desligou o som.
Acendeu um cigarro. Há tempos não fumava. Marisa implicava com sua boca de tabaco. Em quinze minutos, fumara meio maço e estava mais insone e acelerado. Voltou para o quarto e gritou.
O grito ecoou na madrugada. Deu vários gritos estridentes. O interfone começou a tocar. Provavelmente era o porteiro. Não atendeu o chamado. Berrava sem controle. Minutos depois, ouviu passos no corredor. Alguém bateu à porta social. Não fez menção de abri-la. A voz lhe pareceu familiar.
— Gilberto, o que aconteceu? Os vizinhos estão reclamando. São onze horas da noite — falou Sr. Elias, o síndico do prédio.
— Gilberto, você está passando mal? Abra a porta! — disse em voz baixa. Não obtendo resposta, o síndico desceu até seu apartamento pelas escadas, arrastando os chinelos rotos e mambembes. Ameaçou chamar a polícia. Gilberto não se importou com o fato, a cabeça rodando, rodando, rodando... Deitou na cama de colchão de molas com saudades de Marisa.
Acordou com náuseas. O lençol em desalinho dava um ar estranho na sua visão matinal. Marisa não havia voltado. O que fazer?
Tentou o celular da mulher. Estava na caixa postal. Deixou recado. Ligou de novo. Deixou outra mensagem: desta vez mais contundente.
Não sabia como proceder. Será que comunicava à polícia? Quem sabe Marisa tinha sido vítima de sequestro relâmpago? Ou havia sido atropelada e estava no Hospital Miguel Couto? Se ao menos soubesse o nome e telefone de sua amiga de Faculdade!
Passados longos 15 minutos de indecisão, Marisa põe a chave na fechadura. Entra em casa e a expressão de seu rosto é indecifrável. Está impecavelmente vestida e maquiada. Sua roupa é nova. Aliás, roupa de grife.
Olha para Gilberto e diz: — Meu amor, você ainda não foi trabalhar?

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Fatias de Céu

Minha alma vive
nos desembaraços.
Voa entre o frio da noite
e a delicadeza da manhã.
Volto a voar.
Abandono os conceitos.
Perdi a prudência
à espera de um convite teu.
Beijo a memória
do primeiro encontro.
Sei que fazes-me falta.
Devagar detenho
tua mão ansiosa.
Queria tão-somente
que me fitasses o rosto
com a ternura dos amantes.
Gostaria que viesses
ofertar-me razões para viver.
O certo é que nunca me falaste
com a admiração de hoje.
A noite é um mar
que me envolve de encantos
e êxtases.
E na eternidade
dos nossos corpos entrelaçados
transitam fatias de céu
e pedaços de estrelas.
Mas juro que
já não sei agora ao certo.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Menos Gris

Quando eu não puder te escutar
quem me chamará de anjo barroco?
Quem me dirá que sou estrelinha
caída de um recanto do céu?
Quando tua voz calar
que restará da ternura
que me dás?
Em que recôndito do mar
tua musicalidade ficará perdida?
Não é apenas a tua fala
que é fonte do meu encanto.
É nela que eu bebo minha criação,
é nela que tudo faz sentido.
Tua voz é meu cântaro:
misterioso depositário de dores,
esperanças envelhecidas,
embora ainda sonhadas.
É cedo para me falares de adeus.
Fala-me de chegadas
e encontros.
Fala-me de verdades
mesmo inventadas.
Fala-me de coisas
que preciso ouvir
para acreditar de novo
no amor possível.
E, quem sabe,
ser um pouco menos gris.