quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Momentos

Tão volúvel foi teu amor
que a brisa rápida levou.
Meus lábios ainda cantam
a canção melancólica
do amor que era só fantasia.
Busco o sol, mas a penumbra
logo me envolve e eu não vejo
o que as estrelas têm a me dizer.
Mas elas me segredam coisas.
Falam-me de momentos do coração.
Adivinham que outro amor virá.
Não tão fugaz,
não tão doído,
com tua frieza cortante
dos não amantes.
E vais ficando de mim distante.
A desilusão deixada para trás.
O beijo consentido
sendo esquecido.
Esta solidão contrita
saindo de mim
a construir gloriosos mundos.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Pedra e Cristal

A pedra pontiaguda
da nascente do rio da vida
riscou o cristal do copo
que te servia
todas as manhãs.
Trincou minha alegria,
provocou soluços e dores,
me devastou a alma.
Mas o que tens a me dizer?
Diga-me!
Tuas palavras
não são mais críveis.
Tropeças nelas
como menino mentiroso.
Uma sombra
me torna insone
e por demais cansada.
Sou prisioneira de um gesto
que não compreendo.
Te vejo apartado
dos sonhos que criamos.
É como se te visse hoje
pela primeira vez.
É como se visse
tua alma desnuda
e sem máscara.
Não vês o vazio
do que dizes?
A crença inabalável
que depositava em ti
mistura-se ao lodo.
Fui tão cega
e não tenho mais
as mil razões para viver,
acreditando na grandeza
do teu amor.
Ah, como lastimo
tua inconseqüência
com tudo que construímos.
Estou por demais ferida
e desalentada.
Teus olhos de perfídia
gelam a ternura que te dava.
Estou confusa, triste
sofrida e magoada.
Nem sei se o tempo
será capaz e sábio
para recompor
aquilo que fomos.
Diga-me o que houve!
Talvez prefiras,
por covardia,
que o tempo seja
teu próprio algoz.
Porém, confesso
não saber mais nada.
Tampouco de ti.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Constatação - Para Cecília Meireles

Pudesse eu ser feita de nuvens,
para viver nas alturas
junto dos pássaros e dos sonhos.
E admirar o brilho das estrelas.

Sentiria o sabor do vento
soprando meu corpo frágil.
Fecharia os olhos para ver melhor
e inventaria a vida que quero ter.

Faria desenhos no ar,
com meus braços estendidos,
a brincar de carneirinho de lã,
com sobras de flocos de nuvens.

Teria meus olhos voltados
para baixo e veria,
sem surpresa,
a pequenez dos homens.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Nas Curvas de Santa

O bonde da memória
segue as trilhas do coração
nas curvas de Santa.
Em cada estação, velhos amigos
se olham e desvendam
o tempo perdido na ilusão.
O destino ficou no trilho
nos desenhos em sépia
de múltiplos segredos.
O motorneiro e o trocador
de uniforme são imagens
agora reveladas.
Nos bancos do bonde
as conversas partilhadas
estão para sempre gravadas
em talhas de madeira
pelas mãos dos artistas
de Santa Teresa.
Nesta viagem ao crepúsculo,
o passado se reconstrói
na esperança dos amores,
na emoção dos passageiros,
na alegria dos passantes.
E o bondinho vai...
E o bondinho vem...
nas curvas de Santa.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Entre Dois Nadas

Esmiuço minhas trevas.
Tropeço, me ergo.
Avanço, recuo.
Recuo no tempo
à procura de fantasmas
vividos.
Agrado, desagrado.
Vivo entre dois nadas.
Vivo entre o sim e o não.
Sublimo a solidão.
Há um delírio mudo
que a existência evoca.
Desperto o sonho.
Imploro coisas ao futuro.
Grito por socorro.
Visões e imagens
me dão vertigem.
Mas o ruído de um beijo
de enamorados sorridentes
define meu destino frágil.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Na Contraluz

Na contraluz te vejo
com as sombras
que eu não quis enxergar.
Na contraluz te reconheço,
teu semblante carregado
dos descaminhos que escolheste.
Na contraluz te vejo,
desfazendo minhas ilusões.
As ilusões que teci
na linda colcha que fiz
para te cobrir
no inverno da vida.
Mas tua escolha foi dura,
feriu-me mais do que
adaga cravada no peito.
Saio agora deste precipício.
Procuro a alegria verossímil.
Busco lábios não fatigados.
Procuro entender
a lágrima sem fim.
E por fugir do teu amor nefasto,
quem sabe agora serei feliz.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Alçapão Fechado

Teu ar solitário fala
da angústia do mar
e dos segredos incontáveis
que talvez queiras dizer,
mas não podes.
Um rosto crispado,
um alçapão fechado
com lembranças já vividas.
O suspiro ritmado do mar
lembra o sussurro
quase inaudível
do teu pensar fugidio.
Tua expressão consternada
é retrato puro
de um coração contorcido
entre a angústia e a ilusão.
Nesse lugar do passado
não há mais volta possível.
A água do mar bate de encontro
à praia cansada e sozinha.
Uma espuma de frustração
fica na areia úmida de lágrimas.
A maresia embaça teu olhar
com pouco brilho.
E no frágil desalento
em que hoje vives,
surge a força heróica do sonho.
O sopro da vida se impõe
com promessas
à espera de um novo tempo.
E o vento dispersa
a rigidez zangada
que carregas nos ombros.
E em síntese sei
que jamais
serás o mesmo.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Almofada Escarlate

Você está com ciúmes! - ela falou enfática.
- De você, com suas banhas tristes? - foi dizendo e saindo do quarto que já fora doce clausura.
Era tarde para o café da manhã. O sol apontou discreto, mas os ponteiros do relógio não se moviam. Solidão de mármore.
A mulher resmungou algo ininteligível. Soluçava?
A porta da rua estava trancada com um prego enferrujado. Saiu batendo a tramela. Um sabor amargo travava sua boca sem desjejum. Foi até a esquina à procura de um bar. Salivava quando entrou no recinto, mas não era fome.
A garçonete perguntou abruptamente o que queria. - Não sei. Tem ovos com bacon?
Ela voltou com o cardápio pobre. Só os operários almoçavam naquele lugar ou bebiam conhaque barato no balcão. Prato feito. Toalha oleosa de plástico surrado. Ela limpava as nódoas da mesa com um pano úmido que cheirava a ardido.
Ele olhou de relance o menu e escolheu uma salada de batatas com molho de mostarda marrom.
Comeu sem entusiasmo. Nem fome. Tomou uma caneca de chope escuro. Aliás, duas.
Caminhou pela praça pensando na vida que levava. - Seria nosso último diálogo? E as portentosas gargalhadas que dávamos na cama? E os beijos quando a possuía quente em meus braços?
Apesar do sol tênue, o tempo fez-se nublado e começou a chover. Chegou em casa encharcado. Abriu a porta e vislumbrou o aposento vazio. Fechou a janela. Sentiu-se miserável.
Os sapatos pingavam o chão de tábuas, formando poças disformes como se o piso fosse ceder. E cedia, a cada movimento seu. Ficou estático, observando o movimento da água inundar tudo.
Gotas corriam dos olhos. Deixou que rolassem livremente.
Foi aí que notou uma cadeira nova na sala. E também uma almofada escarlate. Seus lábios tremeram.
- Esses objetos já estavam aqui? Que bobagem... - mas estancou tomado por indescritível emoção.
O relógio continuava parado.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Estrelinha *

Alicinha, Alicinha,
viu uma estrelinha
e ficou a cismar.
Cai, cai, estrelinha,
na palma da minha mão.
Não fujas, não.
Fica aqui bem juntinho
na bainha do meu coração.
Será que ela mora no céu
ou está divagando ao léu?
Será que mora na lua
ou tem casa no meio da rua?
Alicinha, Alicinha
olhou pro céu
e viu uma estrelinha.

* esta poesia faz parte de um projeto infantil.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

As Trufas

Escolheu um presente inusitado, pois nem sabia se ele gostava de chocolates. Não era aniversário. Não havia motivos para festejos.
Decidiu pela mais bonita. Trufas negras feitas de modo artesanal na melhor chocolataria. O papel que envolvia o pacote tinha um desenho assimétrico. As cores lembravam um caleidoscópio. A vendedora embrulhou com cuidado e arrematou a caixa com um laço dourado.
Esperou o telefonema, mas ele não ligou aquela tarde. Aguardou vários dias e ele continuava com seu mutismo habitual. Chegado a humores oscilantes. Irritava-se com perguntas excessivas.
As amigas achavam que ela demonstrava demais seu entusiasmo por ele. No fundo, pensava, inveja de todas elas. Tão seletivas que acabavam sozinhas.
Dário era um homem até certo ponto elegante. Culto, viajado, prático, nada romântico e um tanto misterioso. Olhos penetrantes, sorriso vago, dois sulcos na testa, queixo determinado e mãos de pianista. - Ah, que dedos...
Não agüentou mais de saudade e passou um e-mail.
A resposta veio logo. - Vamos tomar um uísque, um chope ou uma água mineral com gás? - ele falou, displicente. Dário não usava entrelinhas. Gostava da realidade fria, sem ilusões.
- Prefiro um jantar com vinho tinto num lugar intimista -, optou Cláudia. O encontro foi marcado. Para ela, um clima de romance e devaneios.
- Paixão pra quê? Estupidez! Romantismo é pra fã de Roberto Carlos. Sexo é sexo. Ponto final. Chega de frescura, Cláudia!
Às vezes ficava decepcionada com o que ouvia na cama. Sabia que ele não mudaria a natureza cética e meio irônica. Mas gostava de sua virilidade agreste.
Ele estranhou quando ela entregou o presente. Comentou que nunca havia recebido chocolates de uma mulher. Ela ficou sem saber se era um elogio ou uma desfeita.
Rogou uma praga! "Vingança é um prato que se come frio..." Desejou ardentemente que aquelas trufas fossem amaldiçoadas.
Depois do jantar, foram dormir separados. Cada um em sua casa como amantes modernos.
- Deixa para outro dia, amor... - ele disse, com ar de tédio e cansaço. Já bocejava.
Abalada, chegou ao apartamento. - Será que Dário tinha outra mulher?
Deitou sem fazer a digestão direito. O macarrão com frutos do mar revirava no estômago. Nauseada, tomou um sal de frutas. Ajeitou o travesseiro, remexeu o corpo na cama, folheou um romance qualquer e custou a pegar no sono.
Não sabia se sonhava acordada, se aquilo era um pesadelo ou se delirava. Uma sensação de vertigem, êxtase e estranheza. Imagens chocantes atordoavam seu espírito. As trufas eram vulvas enigmáticas e gigantescas que devoravam Dário. Elas iam em direção ao mar e se transformavam em viúvas-negras. Disputavam-no, enlouquecidas de desejo. As teias cinzentas o envolviam. Formavam emaranhados, tessituras e labirintos que o enredavam. Até que uma delas deu o bote certeiro. Libertina e dissimulada, comeu seu macho após a cópula.
Acordou assombrada, suava frio.
Como estava na hora de trabalhar, vestiu-se com esmero, bebeu um café amargo e apagou da memória a nefasta experiência.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sem Sentido

Na profundeza do teu ser
em desencanto,
queres respirar
e algo te oprime.
O mar te suga.
Os elos te prendem.
Não podes desfrutar
o néctar do amor.
Refém dos desejos,
vives na plenitude
das lembranças soturnas.
Buscas agora
outros sonhos e venturas
para acreditares na vida.
Inventas histórias
que já não são tuas,
sequer têm final.
Saboreias tua dor,
como um prato delicado,
mas tua carne é triste.
Tua vida escorre,
lentamente.
Tuas pernas se agitam
sem rumo a tomar.
Tuas mãos ansiosas
escrevem por metáforas,
ironias e rimas rasas.
Tua fala nervosa
diz coisas sem sentido.
E beijas, entre gritos,
a memória do que foste.

Corredores da Memória

O silêncio é uma parede
revestida de palavras.
A aguardente que bebo
solta o verbo preso.
E o esplendor da
tua carne beduína
é lufada de vento
que penetra a janela sem tranca.
Lívida, já não temo a tempestade.
As paredes da casa
não são azuis,
mas sua cor apodrece e
faz-se barro.
Teu rosto murcho,
uma flor de inverno,
parece-me agora
sem brilho e coloração.
Refugias-te no
crepúsculo das sombras
que projetaste ao longo da vida.
Teu riso sem vigor
fala de velhice e dor.
É tua forma discreta de chorar.
Não há mais pôr-do-sol possível
para nós dois.
Tua mão de mil e uma vidas
pesa sobre tua nuca.
Somos macho e fêmea
sem esperança nem porvir.
As janelas ainda giram
numa escala musical,
talvez tua última composição
nesta vida breve.
Mas o ar está rarefeito.
O silêncio agora é tão intenso
que não ouso gritar
para não acordar
os corredores da memória.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Solidão dos Pinheirais

Teu rosto de sombras
tem a dor pungente
dos pinheirais solitários,
que se juntam e se acoplam
para não sentir agonia.
Não quero vislumbrar
esta face tão sombria
que enxergo com clareza,
agora que já passou o tempo.
Mostra-me outro semblante
que tenha o calor
dos trópicos em chama.
Mas longe dos pinheirais,
ao sol ardente das fogueiras,
talvez eu possa viver
sem a luz do teu amor.
Não mudaste nos fragmentos
que ficaram intactos.
Conservas o ar comovente
de um quase menino
que não deixaram viver,
tão perdido pelos prados
que nunca mais verás.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Água, Fogo e Ar

O amor que te dava
era de água, fogo e vento.
Como era fonte,
transbordou comportas
e represas,
devastando tudo.
Como era água,
escorreu de minhas mãos
sem que eu pudesse reter
uma gota sequer.
Impossível conter seu curso.
Como era de fogo,
queimou-me em labaredas,
deixando marcas profundas
na pele de minha'alma.
Como era um amor de ventanias,
alterou o rumo da embarcação
do meu destino tão breve.
Barcos ficaram à deriva,
navios fincados no cais.
Da água, restou o som do riacho
a segredar intimidades aos seixos
que rolam e riem como crianças.
Do fogo, restou a tênue luz de
um candeeiro a brincar de adivinhação
com as sombras da parede do quarto.
Do vento, ficou a leve brisa
a refrescar manhãs contemplativas.
Hoje só te posso dar um amor serenado
e sublimado lentamente pelo tempo.
Agora prescindo da tua presença
porque construí outra vida,
ao longo do triste compasso
da tua dura e sentida ausência.
Simplesmente prescindo de ti
porque estás em tudo que me permeia e sou.
Na tua longa e dolorosa falta,
ergui muros para desviar-me
do que fomos,
pensando isolar as memórias.
Quis construir diques
para proteger-me das ressacas
e aprender com a sabedoria do mar.
No teu profundo silêncio,
criei vozes, versos entre notas de música
e gemidos de dor.
Quis apenas salvar-me.
Porém, não lamento mais nada.
Não te lamentes também.
Tudo foi perfeito.
Não há mais nada a desejar.
E não há mais nada a te dizer
que já não saibas.