quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Amante do Silêncio

Evitou que a monótona ausência de som interferisse nos seus pensamentos. Queria clareza. Distinguir sutilezas no tom de voz de Marisa. É difícil entender a alma feminina. Ela tem se distanciado de mim. Talvez tenha interesse por alguém, mas não vai me contar.
Gilberto caminhava do quarto para a sala, da sala para o quarto, sem encontrar ocupação nem sossego. Só pensava em Marisa. - Fica em silêncio, meu querido -, dissera ela na última noite de amor. - Gosto de ficar quietinha depois do orgasmo... - Isso não era comum nas mulheres, já tivera várias. Gostavam de falar depois do gozo. Marisa, de uns tempos para cá, se tornara assim: amante do silêncio. Acho que fingia tranquilidade, estava alheia. Não sentia seu coração bater, faltava algo. Faltava entrega.
Não sabia como agir diante daquele monstro que surgia sem nome e aparência. Se pelo menos ela se abrisse comigo... Será que estou preparado para o fim do relacionamento?Posso até provocar uma conversa, mas como vou reagir se Marisa quiser um pretexto para terminar?
Cheio de dúvidas, Gilberto saiu de casa. O amor é a coisa mais triste quando se desfaz... De quem era mesmo a música da MPB que cantarolava com insistência? Entrou no bar da esquina, onde não era figura muito conhecida. Ultimamente, Marisa escolhia os lugares e apreciava ambientes sofisticados.
Pediu uma bebida destilada. O garçom trouxe uma dose dupla de uísque nacional. Bebeu apressado, sentiu uma espécie de torpor semelhante ao delírio. Ali ficou no balcão, remoendo os pensamentos e olhando o celular que não tocava. Mais uma dose: a bebida apertou a garganta. Seus olhos desfocados buscaram o caminho de casa. Pagou a conta e andou cambaleando até o apartamento. Custou a achar a chave no bolso da calça esportiva.
No telefone fixo, uma mensagem de Marisa dizia que ela o tinha procurado. Sem encontrá-lo, marcara um encontro com uma amiga dos tempos de Universidade. Que colega era essa sem nome? Por que não comentara aonde iam? Por que não ligara para seu celular?
Sentiu-se traído pelas circunstâncias. Enganado por Marisa e por sua nova parceira da noite. Tentou dormir, estranhou o travesseiro. Lavou muitas vezes os dentes para retirar o amargor da boca deixado pelo uísque.
O sono desaparecera. Sabia que era perigoso tomar calmante com bebida alcoólica. Levantou. Ligou a tevê à procura de um filme atraente. Não encontrou nada que o motivasse: programas banais de auditório, cinema da pior qualidade com finais previsíveis. Colocou um CD de Carlinhos Brown. Muita percussão para sua cabeça estressada. Desligou o som.
Acendeu um cigarro. Há tempos não fumava. Marisa implicava com sua boca de tabaco. Em quinze minutos, fumara meio maço e estava mais insone e acelerado. Voltou para o quarto e gritou.
O grito ecoou na madrugada. Deu vários gritos estridentes. O interfone começou a tocar. Provavelmente era o porteiro. Não atendeu o chamado. Berrava sem controle. Minutos depois, ouviu passos no corredor. Alguém bateu à porta social. Não fez menção de abri-la. A voz lhe pareceu familiar.
— Gilberto, o que aconteceu? Os vizinhos estão reclamando. São onze horas da noite — falou Sr. Elias, o síndico do prédio.
— Gilberto, você está passando mal? Abra a porta! — disse em voz baixa. Não obtendo resposta, o síndico desceu até seu apartamento pelas escadas, arrastando os chinelos rotos e mambembes. Ameaçou chamar a polícia. Gilberto não se importou com o fato, a cabeça rodando, rodando, rodando... Deitou na cama de colchão de molas com saudades de Marisa.
Acordou com náuseas. O lençol em desalinho dava um ar estranho na sua visão matinal. Marisa não havia voltado. O que fazer?
Tentou o celular da mulher. Estava na caixa postal. Deixou recado. Ligou de novo. Deixou outra mensagem: desta vez mais contundente.
Não sabia como proceder. Será que comunicava à polícia? Quem sabe Marisa tinha sido vítima de sequestro relâmpago? Ou havia sido atropelada e estava no Hospital Miguel Couto? Se ao menos soubesse o nome e telefone de sua amiga de Faculdade!
Passados longos 15 minutos de indecisão, Marisa põe a chave na fechadura. Entra em casa e a expressão de seu rosto é indecifrável. Está impecavelmente vestida e maquiada. Sua roupa é nova. Aliás, roupa de grife.
Olha para Gilberto e diz: — Meu amor, você ainda não foi trabalhar?

6 comentários:

Gilberto disse...

Adorável!

Unknown disse...

Esse conto criativo e maravilhoso já vem pronto como roteiro cinematográfico. É só apanhar uma câmera e filmar as imagens que ficam nítidas na nossa mente. Estou orgulhoso do seu talento.
bjs. Adonis

Fabiola disse...

que delicia ler o que tu escreves
gosto muito!
um beijo!

R.L. disse...

Claro,será sempre bem vinda!

Alice Monteiro disse...

Obrigada a todos pelos comentários que me fazem querer progredir. Desejo que todos vocês brilhem como estrelas benfazejas e encontrem seu caminho. Beijos, Alice

Unknown disse...

Também adorei este conto! Saudades Dinda! Vc está cada vez melhor!!!! Beijos