segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pássaros Vorazes

- Você é a única mulher da minha vida, meu amor -. Ricardo sempre dizia frases de efeito e românticas quando ela fazia cenas de ciúmes. Mas nem sempre era convincente nas afirmações e no tom de voz meio irônico.

As mulheres do passado persistiam em deixar recados reticentes e insinuantes na secretária eletrônica. Escreviam e-mails que Ricardo escondia em arquivos secretos no computador. Falavam através de chats de conversação. Deixavam mensagens saudosas no Orkut e recados no celular.

Suzana se irritava, principalmente quando ele vinha com jargão do tipo "você vê cabelo em ovo"... Afinal, ela não tinha problemas auditivos e apesar dos óculos, via muito bem. Não inventava coisas. Sempre fora observadora, curiosa e detalhista. Por ser mulher, conhecia o assédio feminino.

Ricardo não lhe dava sossego. Pelas fotografias desbotadas e amareladas pelo tempo, tinha sido lindíssimo. Um verdadeiro Apolo. Continuava um homem atraente e interessante. Adorava contar histórias de sua vida e como tinha histórias! Algumas inusitadas, pitorescas e excêntricas, sempre com celebridades. Tinha vivido 13 anos em Londres, viajado muito e possuía um currículo de causar inveja.

Instável, porém, Ricardo ficava sujeito a desagradáveis variações de humor. Talvez por ter enxaqueca crônica. Mas com as amigas e ex-namoradas era a doçura em pessoa. Tinha o péssimo hábito de chamar todas elas de "querida". Às vezes até de "meu amor". Ele dizia as mesmas palavras pra ela e Suzana não sentia a mínima diferença de tratamento, procedimento lamentável entre dois amantes. Era o fim da descortesia. Nunca havia passado por situação semelhante. Isso causava uma tensão constante, que ele não alcançava. Ricardo a esmagava lentamente com seu modo desajeitado e áspero de amar uma mulher como Suzana.

Suzana tentava se controlar e agora adotava outra estratégia. Fingia que não ouvia. Na realidade, ficava mesmo possessa com sua gentileza melosa de elogios fáceis a qualquer rabo-de-saia.
Não sabia como proceder diante daqueles pássaros vorazes que gravitavam como corvos agourentos no entorno de Ricardo. Todas em busca de prazer fugaz, de um rolo amoroso sem compromisso. Mulheres desfrutáveis, despudoradas, fáceis e livres. Umas saradas, burras e bonitas. Outras gastas, inteligentes e gordas.

– É isso mesmo que lhe digo, querida Suzaninha, seu ciúme é um câncer incurável. Você toma atitudes totalmente irracionais e fantasiosas. Você cria fantasmas do nada. Fico bastante chateado. Você devia confiar mais em mim. Já conversou sobre o assunto com sua analista?

- A culpa é toda sua, Ricardo, que me dá motivos. Não aguento mais este joguinho de sedução barato com as mulheres. Será que é baixa-estima? Necessidade de provar que é macho? Você já me traiu?

- Nossa, que interrogatório! Nunca te traí, Suzana. Juro. Por que me faz tanta pergunta?

- Seja sincero, Ricardo.

- Sou culpado por preservar minha individualidade? Se você fosse menos inteligente, quem sabe teria atitudes mais sensatas...

- O quê? Você preferia que eu acreditasse em tudo que você diz sem questionar? Agora minha inteligência incomoda você?

- Sabe, Suzana, detesto mulher manipuladora. Está para nascer quem vai me controlar. Nem minha falecida mãe - que Deus a tenha em bom lugar - me controlava. Ameaçou evocar passagens da infância perdida e esquecida nos baús da memória. Desistiu, aborrecido com o rumo da prosa.

- Tem gente que gosta de ser controlado, meu querido. Voltando à minha inteligência, sei que você nunca teve paciência com gente burra. Liberdade, meu anjo, pressupõe respeito com a pessoa amada. Não se pode ter tudo o que se quer. Preciso lembrar que você não é mais aquele homem disponível do passado? Ou ainda é? Não dá para ficar em cima do muro, meu bem.

- Vamos mudar de papo, meu amor. Chega de discussão tola. Não vamos passar a noite falando sobre o sexo dos anjos... Parece uma esgrima mental.

- Esgrima mental? Ricardo, não quero lutar com você. Detesto briga. Quero viver em paz. Paz e Amor como na época dos hippies. Quero ser tratada como uma flor, mas você me aperta com força. Esmaga minhas melhores pétalas.

- Para de usar metáforas. Olha, gravei o capítulo da minissérie de ontem. Vamos ver juntinhos aqui no sofá da sala? Viu como eu penso em você? Faço todas as suas vontades! Gosto tanto quando você está feliz. Seu sorriso, Suzie, é tão lindo...

Apesar de não gostar de brigas inúteis, Suzana preferia esgotar os conflitos até torná-los digeríveis. Ele saía sempre pela tangente ou partia para o ataque, aos uivos... quando não encontrava saída. Suzana ficou na sala ruminando os pensamentos desalinhados. Gostaria de ter continuado a conversa. Sentiu-se frustrada com as rotas explicações que ouvia. "Como sou tola..."

Esforçava-se constantemente para evitar desgastes na relação amorosa, mas restava muito a fazer. O cotidiano era difícil e tinha o sabor de café requentado. Suzana gostava do glamour das cenas de cinema, beijos ardentes, sentir o coração bater como nos primeiros dias de namoro.

Abriu uma cerveja belga bem gelada. Há tempos não experimentava marca tão saborosa.

Ricardo dormia, o que não era hábito, assim tão cedo. Será que fingia? Sempre varava a madrugada vendo filmes que alugava no vídeo da esquina. Películas de ação, suspense, policial, humor nonsense. Filme cult assistia com Suzana, ambos amantes da sétima arte.

Suzana chegou a lamentar o sábado decepcionante e interminável. Teria percebido sinais de mentira no rosto de Ricardo? Recordou que ele assumia expressões inquietas quando questionado. Ou ela exagerava? Que ânsia é esta? Que teria afinal?

Altas horas da noite, o telefone da sala toca estridente. Uma voz sussurrante de contralto chama por Ricardo. Suzana diz que ele está dormindo. A mulher não deixa recado. Ela insiste e a pessoa desliga rapidamente.

Cambaleante de sono, ele se levanta sobressaltado com o som alto da campainha do telefone. Tenta balbuciar algo e fica engasgado com a própria saliva.

Suzana nunca mais voltou a ver Ricardo.

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