quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

As Trufas

Escolheu um presente inusitado, pois nem sabia se ele gostava de chocolates. Não era aniversário. Não havia motivos para festejos.
Decidiu pela mais bonita. Trufas negras feitas de modo artesanal na melhor chocolataria. O papel que envolvia o pacote tinha um desenho assimétrico. As cores lembravam um caleidoscópio. A vendedora embrulhou com cuidado e arrematou a caixa com um laço dourado.
Esperou o telefonema, mas ele não ligou aquela tarde. Aguardou vários dias e ele continuava com seu mutismo habitual. Chegado a humores oscilantes. Irritava-se com perguntas excessivas.
As amigas achavam que ela demonstrava demais seu entusiasmo por ele. No fundo, pensava, inveja de todas elas. Tão seletivas que acabavam sozinhas.
Dário era um homem até certo ponto elegante. Culto, viajado, prático, nada romântico e um tanto misterioso. Olhos penetrantes, sorriso vago, dois sulcos na testa, queixo determinado e mãos de pianista. - Ah, que dedos...
Não agüentou mais de saudade e passou um e-mail.
A resposta veio logo. - Vamos tomar um uísque, um chope ou uma água mineral com gás? - ele falou, displicente. Dário não usava entrelinhas. Gostava da realidade fria, sem ilusões.
- Prefiro um jantar com vinho tinto num lugar intimista -, optou Cláudia. O encontro foi marcado. Para ela, um clima de romance e devaneios.
- Paixão pra quê? Estupidez! Romantismo é pra fã de Roberto Carlos. Sexo é sexo. Ponto final. Chega de frescura, Cláudia!
Às vezes ficava decepcionada com o que ouvia na cama. Sabia que ele não mudaria a natureza cética e meio irônica. Mas gostava de sua virilidade agreste.
Ele estranhou quando ela entregou o presente. Comentou que nunca havia recebido chocolates de uma mulher. Ela ficou sem saber se era um elogio ou uma desfeita.
Rogou uma praga! "Vingança é um prato que se come frio..." Desejou ardentemente que aquelas trufas fossem amaldiçoadas.
Depois do jantar, foram dormir separados. Cada um em sua casa como amantes modernos.
- Deixa para outro dia, amor... - ele disse, com ar de tédio e cansaço. Já bocejava.
Abalada, chegou ao apartamento. - Será que Dário tinha outra mulher?
Deitou sem fazer a digestão direito. O macarrão com frutos do mar revirava no estômago. Nauseada, tomou um sal de frutas. Ajeitou o travesseiro, remexeu o corpo na cama, folheou um romance qualquer e custou a pegar no sono.
Não sabia se sonhava acordada, se aquilo era um pesadelo ou se delirava. Uma sensação de vertigem, êxtase e estranheza. Imagens chocantes atordoavam seu espírito. As trufas eram vulvas enigmáticas e gigantescas que devoravam Dário. Elas iam em direção ao mar e se transformavam em viúvas-negras. Disputavam-no, enlouquecidas de desejo. As teias cinzentas o envolviam. Formavam emaranhados, tessituras e labirintos que o enredavam. Até que uma delas deu o bote certeiro. Libertina e dissimulada, comeu seu macho após a cópula.
Acordou assombrada, suava frio.
Como estava na hora de trabalhar, vestiu-se com esmero, bebeu um café amargo e apagou da memória a nefasta experiência.

3 comentários:

Pina Jr disse...

Excelente, amiga. Denso, tenso, impactante e revelador dos conflitos existentes numa relação homem/mulher. A gente lê com um fôlego só...

Unknown disse...

Trufas de chocolate! Foi o que Ivan Lins recebeu ontem no show. Dá uma olhada nas minhas fotos!!! Tirei foto dele e com ele ontem no evento que fotografei! Lembrei de vc que sei que adora!!!! Beijossss

Unknown disse...

Adorei o conto!